Cap. 5 - Para o porto

Pela manhã, Kadar pagou o dono do hotel pelo quarto e saiu com a família. Procurava um determinado Café, de acordo com um cartão que havia recebido do dono do hotel. Passaram por um centro comercial, cujas lojas ofereciam coletes salva-vidas, lanternas e mochilas à prova d’água. Não demorou muito e chegaram ao local indicado. Um homem sentado numa das mesas logo percebeu o cartão na mão de Kadar. Fez com que sentassem e mandou servirem café para a família. Os acertos da viagem foram feitos rapidamente. O homem deu informações sobre o local, o horário e como as crianças deviam estar bem agasalhadas. Todos da família deviam estar com coletes salva-vidas, providenciados por Kadar. O pagamento seria feito só na Grécia, em mãos, para o condutor do navio.
Passaram o dia pelo centro da cidade. Assim, como muitas outras pessoas. Mochilas amontoadas, jovens estendidos no gramado da praça central. A torre do relógio ficaria pra sempre na lembrança do pequeno Daniyal. Desde que aprendera a ler, aos quatro anos de idade, o menino lia tudo, qualquer inscrição, placa, poster nos postes da cidade... tudo lhe chamava atenção. Então, rapidamente divulgou a informação com seus pais: Esse monumento foi erguido em comemoração aos vinte e cinco anos do reinado de Abdul Hamid II. A frase lhe saiu em tom solene, como quem anuncia um feito histórico importante. E quem foi Abdul Hamid II? perguntou Kadar. Bem, isso eu não sei, respondeu envergonhado o pequeno informante. Os adultos riram. O pai abaixou-se para amarrar o cadarço do filho, enquanto explicava que fora o último sultão otomano. O grande Império Otomano declinou durante seu reinado, em 1909.
Dali foram ao pier, depois procuraram uma sombra junto com outros viajantes. Com os viajantes ficaram até madrugada, aguardando o horário da partida. Ouviram muitas histórias. Jovens esperavam a família fazer uma transferência bancária para poderem  embarcar. Leva mais uns dias, diziam. A história se repetia, de narrador em narrador. Viajaria sozinho e, quando chegasse à Alemanha, entraria com um pedido legal para levar seus pais e irmãos para lá. Muitos encontravam alternativas, como sair do porto em pequenos botes. Isso Kadar não estava disposto a fazer, imagine colocar sua família num pequeno bote e adentrar o mar Egeu. Não. Sua viagem custaria mais, mas era segura. Prometera isso, em juramento, aos pais de Labibah.
De táxi, chegaram ao porto de madrugada um nevoeiro anunciava a cor daquela viagem.
Daniyal nunca havia visto o mar à noite e continuou sem saber como era, pois o breu e a névoa não permitiam que visse o horizonte. O vento soprava muito forte e os homens que falavam com seu pai repetiam que não era uma noite boa para viajar.
Sua mãe olhava para seu pai enquanto ele lhe falava. Os homens haviam dito que Kadar era importante para a resistência. Era um professor, pessoa inteligente, cujas ideias eram imprescindíveis para o grupo de civis-soldados. A Síria é de todos nós, não apenas do presidente. Vamos ficar e lutar por nossa terra!
Você não é soldado, Kadar! Nunca pegou uma arma nas mãos. Meus filhos não vão pegar fuzis maiores que eles. Labibah repetia decidida.
A cena a que Labibah se referia não era de uma foto numa revista. Era uma cena real que ela presenciara no dia do bombardeio ao bairro de Salahedin. Aquele que foi o penúltimo bombardeio que vivenciaram; fora também o mais forte e perigoso. O menino devia ter uns onze anos, mas era uma criança pequena para sua idade. Ele trazia o Ak-47 no ombro enquanto corria. O pequeno combatente olhou pela mira e disparou. O soco do disparo o fez cair sentado.
Labibah insistia. Eu e seus filhos podíamos ter morrido. Você podia ter morrido! Kadar, já deixamos tudo para trás. Vamos embora daqui!

Comments

Post a Comment

Popular posts from this blog

Cap. 1 - O que ficou para trás

Mais que um livro

Cap. 18 - O ponto de vista da fronteira