Cap. 15 - Compaixão, mesmo a contragosto
Caminharam muito, até cansar. A sede não puderam saciar por completo, pois a água era pouca. As crianças, parecendo compreender a situação, não reclamavam. Comeram uma maçã cada uma e isso lhes bastou. No mais, as menores, que iam carregadas por Kadar e Labibah, resignaram-se a soltar o corpo no colo dos adultos, para facilitar que fossem carregadas.
Enquanto foi possível, não ligaram lanternas. Assim, não chamaram atenção quando deixaram o grupo de refugiados ao lado do caminhão. Kadar acredita que não deram por sua falta, ou escolheram não denunciar aos policiais que devem ter ido checar a "ocorrência". Ninguém os seguiu mata adentro.
Embora fosse um pouco assustador andar no meio de árvores, à noite, o grupo sentia-se seguro. Os adultos estavam decididos e não pareciam estar com medo. Kadar, anos mais tarde, contou a alguns amigos que estava aliviado. Era bom estar ali, sem a tensão de pessoas ao redor. Sem policiais, atravessadores e suas propostas, outros refugiados desesperados. Sentia-se, pela primeira vez desde que começaram a travessia, dono de sua jornada.
Ouviram algum movimento de carros passando, bem ao longe. Depois de algum tempo, o som começou a ficar mais próximo. Mas na madrugada, não aguentaram chegar até ela. Sentaram-se no chão úmido e ali mesmo dormiram.
O dia amanheceu. Usaram as árvores ao redor como banheiro e reiniciaram a caminhada. Os pés doíam, reflexo do que haviam andado na noite anterior. As pisadas em falso, de mal jeito, esbarrando nas raízes e pedras, agora cobravam a conta. Mas com os pés de Labibah a situação era mais séria. Estavam muito machucados. Bolhas estouraram e ela caminhava mancando.
Os adolescentes iam quietos, perto da família. Conversavam pouco e eram desconfiados. Mais tarde todos entenderiam o motivo.
O sol já estava bem alto quando chegaram a um descampado. Do outro lado, avistaram uma estrada sem asfalto. Correram até ela. Não havia necessidade de correr, mas a esperança de alcançar uma estrada funcionou como impulso.
Labibah sentou-se à beira da estrada quando a alcançaram. Ela não podia andar mais. Mas era preciso. Então levantou-se e andou com a força que vem de dentro, porque era a única que ainda possuía.
Logo avistaram a entrada de uma pequena propriedade. Uma casa para pedir ajuda.
Sentado numa cadeira de balanço, na varanda da casa, Aleksandar não gostou quando os viu chegando. Ele descansava enquanto esperava a refeição que a esposa preparava. Quando os viu, sabia que se tratava de um grupo de refugiados. Viu as crianças e teve dó. Mas não podia confiar. Dizem que desde crianças “essa gente é criada contra nós”.
O chefe do grupo, estava claro, era o homem com a menina sobre os ombros. Os adolescentes não eram da família, dava para perceber. “Monika, tem um grupo de muçulmanos chegando aí. Vou mandá-los embora, mas se não quiserem ir, chame a polícia. Entendeu?”.
A mulher abriu a porta da frente da casa e viu a imagem à qual o marido se referia. Ela respondeu: “Eles têm crianças! Deixe-me ajudá-los. Viu como a mulher está mancando?”. Aleksandar estava contrariado. “São gente maldosa, Monika!”.
Ainda discutiam o que fazer quando o homem adulto gritou à frente de sua casa. “Help us, please!”. Tão logo Aleksandar abriu o portão de madeira, que o separava do grupo, Monika já passou apressada por ele, com uma garrafa de água, copos e uma bacia. Ela fez a mulher com o bebê, que era Labibah, entrar. Levou-a para perto de uma torneira de jardim, encheu a bacia e fez sinal para que colocasse seus pés. Monika assustou-se quando viu o bebê pular no colo da mulher ao ver a água saindo da torneira. “Oh, meu Deus”. Correndo pegou um dos copos e deu água a Yusef.
Aleksandar falava rispidamente com o homem e determinou que os rapazes ficassem longe, na beira da estrada. Monika foi até eles com uma garrafa de água e voltou rapidamente para dentro de casa, a fim de buscar mais. Ao passar pelo marido, disse: “Um pouco de compaixão, homem!”. Logo voltou carregando frutas e pão.
Mas Aleksandar não estava disposto a prolongar o tempo com os estranhos, então mandou que pegassem o que podiam. Ele mesmo encheu as garrafas plásticas vazias que eles mostraram quando se aproximaram da casa. “Go! Go out”! E o grupo aprontou-se para ir embora.
Aliviado, Aleksandar indicou o caminho para a cidade: “City is there”.
Enquanto foi possível, não ligaram lanternas. Assim, não chamaram atenção quando deixaram o grupo de refugiados ao lado do caminhão. Kadar acredita que não deram por sua falta, ou escolheram não denunciar aos policiais que devem ter ido checar a "ocorrência". Ninguém os seguiu mata adentro.
Embora fosse um pouco assustador andar no meio de árvores, à noite, o grupo sentia-se seguro. Os adultos estavam decididos e não pareciam estar com medo. Kadar, anos mais tarde, contou a alguns amigos que estava aliviado. Era bom estar ali, sem a tensão de pessoas ao redor. Sem policiais, atravessadores e suas propostas, outros refugiados desesperados. Sentia-se, pela primeira vez desde que começaram a travessia, dono de sua jornada.
Ouviram algum movimento de carros passando, bem ao longe. Depois de algum tempo, o som começou a ficar mais próximo. Mas na madrugada, não aguentaram chegar até ela. Sentaram-se no chão úmido e ali mesmo dormiram.
O dia amanheceu. Usaram as árvores ao redor como banheiro e reiniciaram a caminhada. Os pés doíam, reflexo do que haviam andado na noite anterior. As pisadas em falso, de mal jeito, esbarrando nas raízes e pedras, agora cobravam a conta. Mas com os pés de Labibah a situação era mais séria. Estavam muito machucados. Bolhas estouraram e ela caminhava mancando.
Os adolescentes iam quietos, perto da família. Conversavam pouco e eram desconfiados. Mais tarde todos entenderiam o motivo.
O sol já estava bem alto quando chegaram a um descampado. Do outro lado, avistaram uma estrada sem asfalto. Correram até ela. Não havia necessidade de correr, mas a esperança de alcançar uma estrada funcionou como impulso.
Labibah sentou-se à beira da estrada quando a alcançaram. Ela não podia andar mais. Mas era preciso. Então levantou-se e andou com a força que vem de dentro, porque era a única que ainda possuía.
Logo avistaram a entrada de uma pequena propriedade. Uma casa para pedir ajuda.
Sentado numa cadeira de balanço, na varanda da casa, Aleksandar não gostou quando os viu chegando. Ele descansava enquanto esperava a refeição que a esposa preparava. Quando os viu, sabia que se tratava de um grupo de refugiados. Viu as crianças e teve dó. Mas não podia confiar. Dizem que desde crianças “essa gente é criada contra nós”.
O chefe do grupo, estava claro, era o homem com a menina sobre os ombros. Os adolescentes não eram da família, dava para perceber. “Monika, tem um grupo de muçulmanos chegando aí. Vou mandá-los embora, mas se não quiserem ir, chame a polícia. Entendeu?”.
A mulher abriu a porta da frente da casa e viu a imagem à qual o marido se referia. Ela respondeu: “Eles têm crianças! Deixe-me ajudá-los. Viu como a mulher está mancando?”. Aleksandar estava contrariado. “São gente maldosa, Monika!”.
Ainda discutiam o que fazer quando o homem adulto gritou à frente de sua casa. “Help us, please!”. Tão logo Aleksandar abriu o portão de madeira, que o separava do grupo, Monika já passou apressada por ele, com uma garrafa de água, copos e uma bacia. Ela fez a mulher com o bebê, que era Labibah, entrar. Levou-a para perto de uma torneira de jardim, encheu a bacia e fez sinal para que colocasse seus pés. Monika assustou-se quando viu o bebê pular no colo da mulher ao ver a água saindo da torneira. “Oh, meu Deus”. Correndo pegou um dos copos e deu água a Yusef.
Aleksandar falava rispidamente com o homem e determinou que os rapazes ficassem longe, na beira da estrada. Monika foi até eles com uma garrafa de água e voltou rapidamente para dentro de casa, a fim de buscar mais. Ao passar pelo marido, disse: “Um pouco de compaixão, homem!”. Logo voltou carregando frutas e pão.
Mas Aleksandar não estava disposto a prolongar o tempo com os estranhos, então mandou que pegassem o que podiam. Ele mesmo encheu as garrafas plásticas vazias que eles mostraram quando se aproximaram da casa. “Go! Go out”! E o grupo aprontou-se para ir embora.
Aliviado, Aleksandar indicou o caminho para a cidade: “City is there”.
Parabéns Cris! A cada capítulo a expectativa aumenta.
ReplyDeleteObrigada, Sandra!
ReplyDeleteMe emocionei junto com os pais. Bem sei como são esses momentos
ReplyDelete