Cap. 10 - It's Good

Policiais vieram nos ajudar a levantar e abriram uma parte da cerca para que voltássemos à fila, atrás de um grupo de jovens. Aos poucos foram chegando caminhões e muitas pessoas. Elas começaram a montar tendas brancas ao lado da fila.
Logo passaram outras, trazendo garrafas de água e sanduíches.
Depois outros caminhões, distribuindo camas dobráveis que foram colocadas dentro das tendas. Essas pessoas nem precisaram insistir para que fôssemos para dentro de uma das grandes barracas. Meu pai ficou na fila e nós fomos com minha mãe.
Havia muitas camas ali, mais de mil, ouvi uma pessoa dizer. Aos poucos foram sendo ocupadas por corpos e mentes exaustas. Tão logo me acomodei com Najma na nossa cama, dormi.
Só me lembro de ter acordado com o sol brilhando, clareando o teto branco da barraca. Eu e minha irmã ficamos ali, sentados em nossa cama, atentos a tudo o que acontecia. Logo vieram outras pessoas, trazendo comida novamente para nós. Ofereceram mochilas novas, com pasta de dente, escova, papel higiênico. Fraldas, cobertores, lenços de papel, água, frutas, tudo tinha à vontade ali onde estávamos.  Então, não arredamos o pé de perto de nossas camas. Só para ir ao banheiro. Mas não ao mesmo tempo; minha mãe ou eu tínhamos que ficar ali na barraca. "Não saia daqui por nada, entendeu?". "Nem acompanhe outro adulto". "Só saia com minha permissão". Eram suas recomendações quando eu precisava ficar sozinho, sinalizando que aquelas camas estavam ocupadas. Só íamos os quatro juntos ao banho. Tudo muito rápido, para voltar logo.
Na barraca nós esperávamos. Eu e Najma nos esforçamos para não dar trabalho para nossa mãe. Ela já estava aflita em manter Yusef por perto. 
Ficamos dias ali. Minha mãe chorava, mas não abandonou o lugar. As pessoas tentavam acalmá-la. Ela explicou, em inglês, “My husband are in record”. Então a moça respondeu. “Oh! It’s good”.
"It's good". A frase ficou ecooando dentro da minha cabeça. Eu só não sabia como podia ser bom. Aquilo não parecia bom. O tempo passava e nada acontecia.
Não tínhamos liberdade para brincar longe de nossas camas. Havia outras crianças na barraca em que fomos acomodados. Às vezes improvisávamos uma brincadeira, como contar o número de pessoas que passavam com botas de borracha ou as que passavam usando tênis da marca Adidas. Isso porque, por causa do frio, as paredes de lona da tenda passavam a maior parte do tempo abaixadas, e tudo o que conseguíamos ver eram os pés das pessoas que passavam ao lado da grande barraca.
Vez por outra uma família, um jovem sozinho, conseguia seguir viagem. Havia conseguido autorização para atravessar a fronteira. Todas as vezes era uma despedida acalorada. Os adultos abraçavam o "vitorioso". Outros aplaudiam. Desejavam-se sucesso na travessia. Trocavam números de telefones. Faziam promessas de se encontrarem no futuro.
Minha mãe repetia para nós: "Daqui a pouco será nossa vez".
Assim, esperávamos.
Afinal, era bom que meu pai estivesse na fila.
De alguma forma, era bom.
"It's good".



Comments

  1. Li de uma pegada os capítulos 4 a 9. E neste momento acabei de ler o capítulo 10.
    Uma só palavra: envolvente. Cada capítulo gera expectativa a respeito do próximo . Muito bom Cris.

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  2. Chama atenção expressão "it's good", isto é bom, que traduz a esperança dos personagens de conseguir viagem, ou seja, conseguir fazer a travessia.

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  3. Sim... A esperança é a marca desse capítulo. Obrigada por acompanharem essa travessia!

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