Capítulo 7 - Para a Grécia II

Não houve acordo, e fomos levados para barcos menores, que estavam amarrados ao grande barco. Cada barco ia com dois “pilotos”. Meu pai, como nos caminhões, fez entrar minha mãe com Yusef, depois Najma, depois eu e então ele veio para dentro do barco, que foi descido ao mar escuro do Egeu.
Os dois marujos não permitiam que ligássemos lanternas, então ficamos ali, o mais imóveis possível, até o dia começar a clarear.
Ligaram o pequeno motor do barco. Ele não dava conta do peso de tantas pessoas, mas pelo menos nos tirava da deriva. O embalo ali era bem mais perceptível. Íamos ao alto e embaixo, repetidamente. Eu sentia medo e meus irmãos choravam. Era um choro constante, assustado.
Quando já se podia ver os sinais do sol, já não tão tímido, avistamos terra firme. Os homens passaram minha família e outras pessoas para um bote inflável. Eles tinham pressa, então meu pai passou para o bote,  enquanto ajudava minha mãe comigo e Najma. Dê-me a menina, Labibah! Mas ela estava decidida a não soltar seus filhos. Um forte impulso jogou nosso barco ao alto, e ficamos encharcados com a água que entrou, quando o barco desceu da onda. Estávamos com frio e assustados. Minha mãe agora é quem tinha pressa e, antes de outra onda, passou Najma, eu e Yusef para meu pai. Outra onda nos jogou alto, enquanto ela ainda estava passando para o bote. Ela acabou caindo dentro dele e foi ajudada por um jovem casal de viajantes, destinados a completar a travessia no mesmo bote com nossa família. Um dos dois marujos permaneceu no barco e outro veio conosco. O pequeno barco que nos levara até ali, agora tinha força e rapidamente ganhou distância mar adentro.
Todos estávamos com muito medo. Vi os tremores de meus pais. Vi quando o barco que deixamos virou enquanto as pessoas tentavam pular noutro bote inflável. Vi quando ficaram todos em silêncio no nosso bote. Silêncio de quem não pode fazer nada. De quem se sente mal por estar a salvo. De quem não sabe porque teve sorte e outros não. De quem não consegue sequer ficar aliviado, pois a desgraça de outros, podia muito bem ser a sua.
Minha mãe passou o braço em volta de mim e segurou firme uma alça do bote. O vento estava forte e o bote seguidamente era jogado para trás. Eu podia ver os nervos, tendões e veias de sua mão saltadas, porque ela segurou seus dois filhos mais velhos com toda força que tinha.
Passadas as ondas maiores, o motor do bote pareceu ter ganhado força. Chegamos logo à beira mar. E tivemos que descer antes da areia, ainda na água muito gelada, por causa das muitas pedras. Meu pai desceu, ajudou minha mãe, pegou Najma e Yusef no colo. Dessa vez, eu fui para o colo de minha mãe. Ela ia logo atrás de meu pai, para não tropeçar nas pedras, vez por outra agarrava umas das tiras do colete salva-vidas dele para manter o equilíbrio.
O vento soprava forte aquela manhã, as ondas arrebentavam contra os nossos corpos, embora já estivéssemos muito perto da praia.
Chegamos molhados na areia. Sentamos ali mesmo e nos abraçamos chorando. Nossas quatro mochilas estavam encharcadas. Meu pai conferiu os documentos que conseguiu na Turquia e estavam a salvo no saco plástico que ele trazia dentro do casaco.
Logo vieram umas pessoas nos ajudar. Um plástico brilhante nos aqueceu rapidamente. Ofereceram roupas secas, água, comida e colchonetes. Achamos tão bom. Mas, para quê colchonetes?

Comments

  1. Pude perceber inúmeras vezes em que dedicaste tempo para conhecer a geografia dos locais citados. Mas, confesso que é surpreendente como a maneira de descrever faz crer que estiveste visitando a Síria e região... uau. Muito legal!

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    1. Obrigada!!
      Não sei se os lugares são exatamente assim, mas foi incrível visualizá-los no Google Earth depois de ter descrito como eu os imaginava.
      Ainda existem muitos lugares para conhecermos!

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  2. Graças a Deus. Chegaram na praia..

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