Cap. 18 - O ponto de vista da fronteira
Naquele momento eu acabara de chegar ao trabalho. Nossos turnos ainda estavam estendidos porque a polícia especial da Hungria não tinha sido enviada para reforçar a fronteira. Os chamados "Caçadores das Fronteiras" chegaram cerca de um mês depois. Aquela semana seria uma das mais difíceis.
De longe vi o grande grupo de refugiados se aproximando. A ordem era não deixá-los passar. Então eles foram chegando e se acomodando na frente da barreira de contenção. Aquelas grades e o arame farpado enrolado era o único obstáculo entre nós e a multidão que avistávamos.
Nunca imaginei uma cena daquelas. Tratavam-se de pessoas como nós. Famílias inteiras com seus idosos e crianças. Foram chegando, chegando. Logo uma multidão estava concentrada à nossa frente e a barreira de contenção na verdade não servia pra muita coisa. Só que eles eram educados, não derrubaram a barreira. Apenas gritavam palavras de socorro em inglês. Também faziam um pedido: “Open”. Queriam chegar à estação de trem e seguir para a Alemanha, Suécia, Dinamarca. Não queriam confusão, dava para ver.
Atrás de nós estava o sonho daquelas pessoas. Era um portão de arame, situado bem no centro da linha de trem. A expectativa era evidente. Após atravessar estavam na Hungria. Uma vez lá, seriam rapidamente "despachados" a partir de Szeged para onde quisessem. Era a política húngara.
Mas depois de duas horas, os ânimos mudaram e já se podia prever um tumulto. “Open, please”! Gritavam aos prantos diante de nós. Os voluntários procuravam acalmá-los e a todo o momento ofereciam frutas, sanduíches, água, itens de higiene. Nossas ordens eram para dar passagem a apenas dez pessoas de cada vez, no máximo cem pessoas até o final do dia. E sabíamos que havia milhares, ao menos oito mil pessoas aglomeradas na fronteira. Levariam meses para “escoar” toda aquela multidão, mesmo que os postos de registro funcionassem 24 horas, sete dias da semana.
Tivemos que abrir a contenção. A ordem foi do meu superior. Ele disse: “Não são animais e eu não sou também. Abram já!”.
Meu chefe havia ficado preso no campo de Recsk, durante o regime comunista. Fora obrigado a trabalhar todos os dias da semana nas minas de cobre. Uma prisão social temporária. Quando relembrava esse período de sua vida, costumava dizer que o mais duro não era o trabalho. Eram as cercas ao redor do campo. A sensação de não poder sair. De sua liberdade depender da vontade de outrem. Estar nas mãos de alguém, Não pertencer a si mesmo. Isso sim, apertava seu peito todos os dias.
Mas não se tratava da opinião pessoal do meu superior. As autoridades sérvias já estavam indignadas com a postura da Hungria. Queriam mais reforços na fronteira, então, precisavam providenciar isso. Em nome da "boa-vizinhança", vínhamos retendo as pessoas do nosso lado da fronteira e sofrendo com isso. As pessoas estavam amontoadas em acampamentos provisórios, ou em centros de passagem, onde eram abrigadas em grandes quartos comunitários. Muitos se refugiavam na selva próxima à cidade. Por todos os lados em Subótica havia refugiados. E nos dez quilômetros até aqui, podiam ser vistos em todos os lugares, à beira das estradas, nas vilas. As pessoas não sabiam como reagir. Nem todos queriam ajudar. O clima era de tensão. Aquela regra que aprendêramos no tempo da academia, "mais pessoas, mais problemas de segurança", agora era ouvida todos os dias.
Formamos um corredor de soldados e à medida que iam passando, as pessoas se acalmavam. A reação coletiva, como nos ensinaram, é um tanto imprevisível. Mas em geral segue a lógica das formigas. E ali não foi diferente. A multidão seguiu pela rodovia. Os carros pararam imediatamente. As pessoas ficaram atônitas, a maioria dentro dos veículos, observando a massa humana que passava ao seu redor. Esta, por sua vez, de maneira impressionante, se deslocou para a margem esquerda da rodovia.
Meu destacamento recebeu o comando de permanecer em forma no ”corredor”. Outros foram destinados para acompanhar a massa de transeuntes na rodovia. Não havia exatamente um plano, ao menos nada nos foi dito naquele momento. Horas mais tarde, nosso comandante informou que o prefeito de Szeged fora informado e preparara às pressas uma ”recepção humanitária”. Meu Deus, aquelas pessoas, com suas crianças e idosos, vão caminhar 43 km!
De longe vi o grande grupo de refugiados se aproximando. A ordem era não deixá-los passar. Então eles foram chegando e se acomodando na frente da barreira de contenção. Aquelas grades e o arame farpado enrolado era o único obstáculo entre nós e a multidão que avistávamos.
Nunca imaginei uma cena daquelas. Tratavam-se de pessoas como nós. Famílias inteiras com seus idosos e crianças. Foram chegando, chegando. Logo uma multidão estava concentrada à nossa frente e a barreira de contenção na verdade não servia pra muita coisa. Só que eles eram educados, não derrubaram a barreira. Apenas gritavam palavras de socorro em inglês. Também faziam um pedido: “Open”. Queriam chegar à estação de trem e seguir para a Alemanha, Suécia, Dinamarca. Não queriam confusão, dava para ver.
Atrás de nós estava o sonho daquelas pessoas. Era um portão de arame, situado bem no centro da linha de trem. A expectativa era evidente. Após atravessar estavam na Hungria. Uma vez lá, seriam rapidamente "despachados" a partir de Szeged para onde quisessem. Era a política húngara.
Mas depois de duas horas, os ânimos mudaram e já se podia prever um tumulto. “Open, please”! Gritavam aos prantos diante de nós. Os voluntários procuravam acalmá-los e a todo o momento ofereciam frutas, sanduíches, água, itens de higiene. Nossas ordens eram para dar passagem a apenas dez pessoas de cada vez, no máximo cem pessoas até o final do dia. E sabíamos que havia milhares, ao menos oito mil pessoas aglomeradas na fronteira. Levariam meses para “escoar” toda aquela multidão, mesmo que os postos de registro funcionassem 24 horas, sete dias da semana.
Tivemos que abrir a contenção. A ordem foi do meu superior. Ele disse: “Não são animais e eu não sou também. Abram já!”.
Meu chefe havia ficado preso no campo de Recsk, durante o regime comunista. Fora obrigado a trabalhar todos os dias da semana nas minas de cobre. Uma prisão social temporária. Quando relembrava esse período de sua vida, costumava dizer que o mais duro não era o trabalho. Eram as cercas ao redor do campo. A sensação de não poder sair. De sua liberdade depender da vontade de outrem. Estar nas mãos de alguém, Não pertencer a si mesmo. Isso sim, apertava seu peito todos os dias.
Mas não se tratava da opinião pessoal do meu superior. As autoridades sérvias já estavam indignadas com a postura da Hungria. Queriam mais reforços na fronteira, então, precisavam providenciar isso. Em nome da "boa-vizinhança", vínhamos retendo as pessoas do nosso lado da fronteira e sofrendo com isso. As pessoas estavam amontoadas em acampamentos provisórios, ou em centros de passagem, onde eram abrigadas em grandes quartos comunitários. Muitos se refugiavam na selva próxima à cidade. Por todos os lados em Subótica havia refugiados. E nos dez quilômetros até aqui, podiam ser vistos em todos os lugares, à beira das estradas, nas vilas. As pessoas não sabiam como reagir. Nem todos queriam ajudar. O clima era de tensão. Aquela regra que aprendêramos no tempo da academia, "mais pessoas, mais problemas de segurança", agora era ouvida todos os dias.
Formamos um corredor de soldados e à medida que iam passando, as pessoas se acalmavam. A reação coletiva, como nos ensinaram, é um tanto imprevisível. Mas em geral segue a lógica das formigas. E ali não foi diferente. A multidão seguiu pela rodovia. Os carros pararam imediatamente. As pessoas ficaram atônitas, a maioria dentro dos veículos, observando a massa humana que passava ao seu redor. Esta, por sua vez, de maneira impressionante, se deslocou para a margem esquerda da rodovia.
Meu destacamento recebeu o comando de permanecer em forma no ”corredor”. Outros foram destinados para acompanhar a massa de transeuntes na rodovia. Não havia exatamente um plano, ao menos nada nos foi dito naquele momento. Horas mais tarde, nosso comandante informou que o prefeito de Szeged fora informado e preparara às pressas uma ”recepção humanitária”. Meu Deus, aquelas pessoas, com suas crianças e idosos, vão caminhar 43 km!
Cris, vc sabe como deixar a gente curiosa kkkk
ReplyDeleteNo aguardo ... kkkk
kkkk... bem a intenção é prender a atenção do leitor. Acho que está funcionando hehehe
DeleteNós brasileiros não temos nem ideia do que é um tempo de guerra. Embora morrem muito mais gente vítima de crimes e crueldades diversas.,
ReplyDeleteNesse capítulo temos a visão do guarda Sérvio em relação a massa de refugiado. Destaco a atitude benevolente do comandante que libera a passagem de todos.
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