Cap. 6 - Para a Grécia I

A bordo, nossa família se acomodou num pequeno banco de madeira, próximo da proa, sob uma cobertura de acrílico verde. Sentaram-se os pais, nós os filhos no colo. Vestíamos coletes salva-vidas, como a maioria das pessoas que aos poucos foram se amontoando em outros bancos e por fim no chão. O embarque foi rápido e a partida do porto também, já que a viagem era clandestina. Meu pai pagaria muito dinheiro por aquela viagem.  Mais tarde meu pai nos disse que, se pudesse, venderia nossa casa em Aleppo para pagar os sogros. Meu pai estava visivelmente chateado, pois o barco no qual entramos não era exatamente um navio. Era menor. Pelo menos não se tratava de um bote de borracha. Entretanto, era como se meu pai tivesse sido enganado pelo homem que fez a negociação de nossa viagem. Essa pequena mentira deixou meus pais desconfiados, e já não estavam mais tranquilos como durante o dia, no centro de Esmirna. Eles haviam dado o dinheiro para a travessia.
Aconcheguei-me ao lado de meu pai. O vento frio e forte da madrugada batia no meu rosto e foi o primeiro momento que pensei em minha casa em Aleppo. Gostava muito dela. Principalmente do quarto dos meus pais. Ele era incrível. Enorme. Eu nunca cansava de olhar os detalhes dos tapetes que cobriam quase todo o chão. Tinham tantas formas desenhadas. Um deles parecia um jardim bem ordenado. As flores maiores iam diminuindo de tamanho, uma dentro da outra, até chegar numa bem pequena. Mas às vezes, quando eu entrava no quarto, via o contrário. As flores bem pequenas aumentando de tamanho até ficarem bem grandes. E elas ficavam umas do lado das outras, formando um losango. Primeiro uma flor, depois duas, depois cinco, sete, nove. Repetia nove flores, então sete, cinco, duas até uma de novo. Naquele tapete eram vinte losangos. Que formavam uma moldura para a grande flor principal. Ela devia ser muito especial, pois ficava dentro de uma moldura só pra ela. Tipo espelho de parede, torneado em madeira, o desenho fazia todos olharem para o centro dele. Mas eu gostava de olhar para as flores ao redor, as da moldura retangular. Só então me dei conta que não ia poder terminar de fazer uma conta importante: quantas flores embutidas, uma dentro da outra, tinham ao todo? Quando voltarmos pra casa, daí eu vou contar, uma por uma, pensei.
Não sei se era o medo das pessoas, ou se alguém tinha dito que deviam ficar todas em silêncio. Mas ninguém conversava. Adultos quietos observavam cada passo da tripulação. As crianças que não estavam chorando, tinham os olhos assustados, muito abertos. Aos poucos tudo ficou escuro e profundamente silencioso. O balanço do barco quase não dava para sentir, apenas uma sensação de estar suspenso da terra, em leves ondulações, para cima, para baixo. Mas tinha que prestar atenção para percebê-las.
De repente um burburinho irrompeu na madrugada. Adultos discutiam com os marujos que mais pareciam soldados. De jeito nenhum! gritavam. O combinado era nos levar até a Grécia!

Comments

Post a Comment

Popular posts from this blog

Cap. 1 - O que ficou para trás

Mais que um livro

Cap. 18 - O ponto de vista da fronteira