Cap. 12 - Na parede da estação

Tem coisas que é difícil para uma criança explicar. Mas isso não significa que ela não consiga entender. Assim me senti quando saímos do trem porque havíamos chegado noutro país. Era escuro, e estávamos cansados. Havia pessoas acampadas por toda a estação da cidade Idomeni também. Mais uma vez, arrumamos um canto para nós.
Eu via as pessoas. Elas eram como nós. Mas eram muito diferentes ao mesmo tempo. Ninguém parecia feliz. Mas era Europa, não era? Tínhamos documentos de refugiados agora. Mesmo assim, a viagem não tinha terminado ainda. Eu sabia disso. Eu entendia que as coisas não estavam tão boas. Como eu sabia? Tinha muitas pessoas na mesma situação que nós; elas já estavam lá quando chegamos. E elas não estavam felizes. Então, não devíamos ficar felizes também. Além disso, havia os policiais, muitos, sempre ao nosso redor. Dava medo. Eles pareciam preocupados, não com a nossa situação, mas porque éramos muitos. E éramos estrangeiros. Acho que nos achavam estranhos e perigosos.
Ali também existiam aquelas pessoas boas, que a toda hora vinham oferecer água, roupa, biscoitos, sopa, as fraldas pra Yusef, maçãs.
Mas havia outras pessoas, pessoas bravas. Que nos olhavam com raiva, enquanto passavam apressadas. Pisavam o chão com força, como se seus pés fossem pesados. Olhavam furiosas em nossa direção. Acho que se sentiam mais dignas de estarem ali naquela estação do que nós. Afinal, utilizavam a estação para transporte. Foi para aquilo que havia sido construída,  e não para moradia.
Se bem que para todos nós, acampados no chão, a estação era um lugar de transporte. Se houvesse mais vagas ou mais trens, já teríamos ido embora. Ninguém pretendia ficar por ali.
De repente, imaginei uma lousa na parede à nossa frente. Várias carteiras e meus colegas da escola sentados nelas. Ri. Que ideia!Lembrei de minha escola e do quanto eu gostava dela. Lembrei das paredes feitas com tijolos de concreto tamanho grande. As luzes deixavam tudo claro. Eu podia observar os cartazes, as letras desenhadas nas linhas, para que aprendêssemos a desenhar as palavras do jeito correto. Nossas carteiras eram para três alunos. Eu sempre sentei no meio, desde que fui para escola. Lembrei de meus amigos, Jamal e Kalil. Será que um dia vou vê-los novamente? Juntos aprendemos a ler, e voltamos nos dois anos seguintes para a mesma escola e mesma sala de aula. Aprendíamos em árabe e inglês ao mesmo tempo, porque nossos pais achavam isso muito importante. Gostávamos muito de ir para escola, ou melhor, de estar na escola. Porque sempre podíamos brincar, rir, às vezes escondidos da professora. No intervalo podíamos correr, brincar de esconde-esconde, rir alto. Lembrei também de meus cadernos e livros. Minha mochila nova que eu havia acabado de ganhar. Gostei de ter essas lembranças.
A parede à minha frente tinha, na verdade, um palavra feita com tinta spray: Refugees. E um grande "X" riscado por cima.


Comments

  1. O brasileiro vive em berço de ouro, pouco sabe sobre esse mundo de guerra e fome.

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  2. Neste capítulo percebemos duas situações distintas. A uma, o menino tem boas recordações associadas à sua escola, inobstante no meio do caos. E, por outro lado, esse mesmo menino percebe a rejeição dos habitantes locais aos imigrantes.

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  3. Aqui na ficção já é comovente... mais tocante quando pensamos que houveram histórias reais envolvendo essa problemática!

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  4. Neste capítulo o menino Danyal tem a primeira percepção do que é rejeição a estrangeiros.

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