Cap. 19 - Assim era meu pai

Passamos de ônibus ao lado da multidão que caminhava às margens do asfalto. Vi muitas crianças que, assim como eu e meus irmãos, iam um pouco carregados pelos pais, um pouco a pé. Escapamos de fazer aquela caminhada. Minha mãe percebeu que eu fiquei muito preocupado quando vi todas aquelas pessoas caminhando debaixo do sol quente. Então ela explicou no meu ouvido que nós já tínhamos caminhado antes, depois que saímos do caminhão. Agora era a vez deles. Fingi que a resposta era suficiente. Mas minha mãe sempre foi muito esperta. "Você não é bobo, né? Você é muito inteligente, meu filho". Então ela me disse que os documentos que conseguimos em Presevo nos permitiram comprar as passagens de ônibus legalmente na cidade de Subótica, bem como o Sr. Alex havia dito. 
Um homem, levantou-se e falou alto para que todos pudessem ouvi-lo. Falou em sua língua, então não entendemos bem o que dizia. Mas logo compreendemos que se tratava de uma oferta de carona à algumas mulheres e crianças. Foi então que o ônibus em que estávamos parou e o homem desceu e ofereceu carona para mulheres e crianças.
O homem que conversava com os adultos, agora em inglês, era um senhor alto, com uma barba longa e branca. Ele lembrava meu avô. Quando o ônibus já estava cheio, ele ficou sem lugar para sentar-se, então veio e parou perto de nós. Meu pai imediatamente levantou-se e deu seu lugar, ficando nós dois em pé no corredor.
Meu pai sempre foi um homem bom. Ele olhou para minha mãe e ela acenou com a cabeça, concordando. Ele ainda perguntou-lhe: "Você vai ficar bem com as crianças?". "Sim". Então meu pai chamou Syed e Mohanmad. Eles levantaram-se, pegaram suas mochilas e saíram do ônibus. Três mulheres com bebês de colo puderam entrar e ocupar seus lugares. Assim era meu pai. E pensei: "Quando eu for um homem adulto quero fazer essas coisas que ele faz!". 
Fiquei em pé ao lado de minha mãe. O ônibus se moveu lentamente, no ritmo que seria nossa viagem de pouco mais de 20 minutos até a cidade Szeged.
Eu não conseguia tirar os olhos do senhor de barba branca. Eu sabia que era mal educado "encarar" uma pessoa daquele jeito, mas eu logo percebi que era uma maneira para olhar para meu avô materno novamente. Foi me dando uma vontade de chorar. Eu não tinha pensado muito neles, meus avós, desde a partida. Sonhava aquele sonho todas as noites, mas só isso. Eles apareciam abraçados, abanando um lenço branco para mim, e só havia terra debaixo dos pés deles, ao redor, era um enorme buraco de onde saía muita fumaça.
As lágrimas começaram a escorrer. Os soluços ficaram incontroláveis. O homem barbudo perguntou à minha mãe o que se passava, em inglês. Ela disse: "I don’t no...". Ela colocou Najma de pé a sua frente e me abraçou. Foi nesse momento que percebeu de que se tratava. Falou para o homem: "You remember my father, his grandfather". O homem acenou com a cabeça em sinal de compreensão. E sorriu para mim. Pude ver que seus olhos também encheram-se de lágrimas. Ele olhou para mim e se apresentou: "Sou Lasloz Héviz" e estendeu a mão. Eu o cumprimentei e disse: "sou Daniyal Mastub". Assim conhecemos nosso guardião.


Comments

  1. Nesse momento mandar desce do ônibus, e separa-se da família, inexplicavelmente, para dar lugar as mulheres e crianças.

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