Cap. 21 - Onde está Kadar Mohamed Mastub?

Entrei na fila para servir a mim e a Najma, num prato só, assim ficava mais fácil. Minha mãe foi servida com Yusef em seu colo. Logo estávamos comendo purê de batatas, molho de carne, legumes cozidos e pão. Delicioso. Depois do almoço ficamos sentados, enquanto minha mãe conversava com outras pessoas, perguntando a respeito de meu pai.
O abrigo de Sezged era bom. Em nosso quarto havia dois beliches. Minha mãe ajeitou Najma numa cama embaixo e eu em cima. Ela dormiu com Yusef na outra cama baixa.
Acordávamos com uma música suave ao fundo. Repetíamos o ritual de ida ao banheiro. Só que antes eu sempre ia com meu pai. Agora eu ia sozinho, minha mãe levava Najma e Yusef; depois ela voltava e deixava os dois comigo no quarto, para só então cuidar de sua higiene.
Meu pai não chegava.
Minha mãe perguntava sobre ele às pessoas, na esperança de que alguém naquele abrigo tivesse feito a mesma caminhada. Até encontrou algumas dessas pessoas, mas ninguém que tivesse visto ou falado diretamente com ele. Com isso ela foi ficando nervosa. Nesse dia, especialmente. Ela começou a gritar, pedindo que alguém ajudasse. Parece que isso fez uma moça bem jovem querer fazer alguma coisa pra nos ajudar. Ela trouxe um policial até nós. Ele não falava inglês então a moça traduziu a conversa dele com minha mãe. Ele prometeu verificar onde estava Kadar Mohamed Mastub. O nome já estava no sistema, ela informou. Minha mãe anotou na cabeça o nome do policial, Jovan Jobah. Ele não era o primeiro policial a anotar o nome. E isso também já estava irritando minha mãe. De que adianta anotar seu nome se não o procuram?
Depois de seis dias todos os que chegaram conosco já tinham pegado trem para a fronteira com a Áustria. Mas nós esperávamos meu pai. "Ele precisa passar por aqui? Existe outro caminho para ter chegado à fronteira?". Ela perguntava a outro policial, pois Jovan Jobah não apareceu mais no abrigo.  Ele respondeu que muitas pessoas embarcaram em ônibus do governo e foram para outras cidades. Ia anotar o nome de meu pai para verificar. Minha mãe tinha razão. Isso não significava nada.
Além das buscas de minha mãe, o Sr. Lasloz continuava procurando. Nos primeiros três dias ficou em Szeged, indo aos centros policiais, hospitais, centros de registros e até andou pelos grupos de refugiados que se reuniam em praças e esquinas da cidade. Depois disso, partiu para outras cidades próximas, para onde teriam sido levados os refugiados que foram resgatados na estrada, quando já estavam chegando à cidade.
De certa forma nos sentíamos bem ali. Fomos muito bem tratados. E havia muitos iguais a nós, pessoas fazendo a mesma viagem. Mostravam-se muito preocupados com meu pai e tentavam nos ajudar como podiam. A única coisa que minha mãe não aceitava era que alguém levasse um de seus filhos para  passear ou ir ao banheiro. Não podíamos sair de perto dela.

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