Cap. 25 - Sem voz
Kadar sempre foi forte. Alto, bonito. Eu me agradei dele desde que o conheci. Não podia entender como tinha sido dominado por aqueles dois adolescentes. Mas o fato era esse. Ele me contou tudo. Primeiro o derrubaram e depois bateram muito. Quando acordou estava num mato, sem sua carteira e mochila. Caminhou até uma estrada próxima e desmaiou novamente. Lembra-se de ter acordado num hospital e depois ter sido colocado numa ambulância. Havia perdido a fala e passara dias semiconsciente. Até que acordara definitivamente. Porém, enxergava, gesticulava, mas não conseguia falar.
Depois disso, lembra-se de acordar nesse hospital e de chamar meu nome. Só então, doze dias depois do ocorrido, conseguiu dizer seu nome completo à polícia. Logo registraram no banco de dados de refugiados. Por isso, fui chamada para vê-lo.
Não tinha nem previsão de alta. Estava muito machucado. Hematomas enormes. Felizmente, sua cabeça havia desinchado, relataram os médicos. Queriam os nomes dos adolescentes. Prontamente falei "Sayed e Mohamand". Apenas Kadar sabia seus sobrenomes. Policiais haviam passado para registrarem a ocorrência, mas Kadar não falou seus nomes. Quis poupá-los.
Todas essas informações foram dadas numa conversa rápida. Prometi voltar na mesma tarde. Precisava voltar para as crianças.
Desci o elevador pensando na atitude de Kadar. Ele tinha razão em não devolver na mesma moeda. Em não pagar o mal com mal. Apenas eu não conseguia ver as coisas da mesma forma que ele, porque doía pensar que os ajudamos e eles o espancaram tanto que quase o mataram.
A porta do elevador abriu e eu atravessei o pavilhão de recepção do hospital. Meus olhos correram ao lugar onde as crianças haviam ficado e não enxerguei Daniyal, Najma e Yusef.
Em instantes, um vendedor ambulante correu e abriu a porta do banheiro químico. Ele tinha visto as crianças há alguns minutos. Daniyal estava desmaiado, sentado sobre seus próprios pés no banheiro químico. Nem sinal de Yusef e Najma.
Comecei a gritar desesperadamente. A imagem das árvores, as pessoas andando, os pombos no chão, tudo girava cada vez mais rápido, e tão rápido que senti que ia vomitar.
Fui acudida por um grupo de pessoas. Eles eram conhecidos entre si e estavam na praça pra algum tipo de reunião. Uma jovem segurou minha mão direita enquanto eu vomitava; logo me ofereceu uma toalha para que eu me limpasse. Eu gritava, chorava, e via tudo girando. Eles não podiam entender o que estava se passando dentro da minha cabeça. “Please, help my son!”. Um rapaz pegou meu pequeno Daniyal no colo e saiu correndo, acompanhado de outro jovem... levaram-no direto para o hospital.
Que angústia! Eu estava sem ar... por dentro eu tinha vontade de gritar. Precisava, com todas as minhas forças avisar aquelas pessoas a respeito de Yusef e Najma, mas minha voz não saía. Eu estava com todo o pavor deste mundo preso na garganta. Senti que queriam me levar para o hospital também. Puxaram minha mão delicadamente; uma jovem enlaçou seu braço em minha cintura. Eram gentis, mas eu não podia mover-me. Precisava falar sobre meus filhos.
Foi então que uma mulher surgiu diante de mim e me olhou nos olhos. “O que você quer dizer?”; “Tem mais alguma coisa acontecendo, não é mesmo?”. Apenas sacudi a cabeça afirmando. “Sim, sim. É isso!!!!”. Eu queria gritar essas palavras, mas estava absolutamente muda. Meu coração estava saltando no meu peito, meus olhos arregalados.
Girei, sem sair do lugar onde estava. Olhei para cima e para baixo. As imagens continuavam girando, e agora ondulavam como se eu estivesse dentro do barco, naquela viagem amedrontadora. Pássaros, folhas, pedras, sapatos e pernas. Meu Deus! Dei alguns passos e abaixe-me para pegar a pequena toalha de mão que Najma carregava com ela. Tinha o desenho de princesa nela... presente de um voluntário sérvio. A mesma mulher gritou: “Tem uma criança desaparecida!”, ela começou gritar para todos na praça: “Ajudem, ajudem! Tem uma criança desaparecida”. Num impulso agarrei-me em suas roupas; quando seus olhos encontraram os meus, consegui dizer: “Najma, minha menina e Yusef, meu bebê!”. Não me lembro de mais nada dali para frente.
Depois disso, lembra-se de acordar nesse hospital e de chamar meu nome. Só então, doze dias depois do ocorrido, conseguiu dizer seu nome completo à polícia. Logo registraram no banco de dados de refugiados. Por isso, fui chamada para vê-lo.
Não tinha nem previsão de alta. Estava muito machucado. Hematomas enormes. Felizmente, sua cabeça havia desinchado, relataram os médicos. Queriam os nomes dos adolescentes. Prontamente falei "Sayed e Mohamand". Apenas Kadar sabia seus sobrenomes. Policiais haviam passado para registrarem a ocorrência, mas Kadar não falou seus nomes. Quis poupá-los.
Todas essas informações foram dadas numa conversa rápida. Prometi voltar na mesma tarde. Precisava voltar para as crianças.
Desci o elevador pensando na atitude de Kadar. Ele tinha razão em não devolver na mesma moeda. Em não pagar o mal com mal. Apenas eu não conseguia ver as coisas da mesma forma que ele, porque doía pensar que os ajudamos e eles o espancaram tanto que quase o mataram.
A porta do elevador abriu e eu atravessei o pavilhão de recepção do hospital. Meus olhos correram ao lugar onde as crianças haviam ficado e não enxerguei Daniyal, Najma e Yusef.
Em instantes, um vendedor ambulante correu e abriu a porta do banheiro químico. Ele tinha visto as crianças há alguns minutos. Daniyal estava desmaiado, sentado sobre seus próprios pés no banheiro químico. Nem sinal de Yusef e Najma.
Comecei a gritar desesperadamente. A imagem das árvores, as pessoas andando, os pombos no chão, tudo girava cada vez mais rápido, e tão rápido que senti que ia vomitar.
Fui acudida por um grupo de pessoas. Eles eram conhecidos entre si e estavam na praça pra algum tipo de reunião. Uma jovem segurou minha mão direita enquanto eu vomitava; logo me ofereceu uma toalha para que eu me limpasse. Eu gritava, chorava, e via tudo girando. Eles não podiam entender o que estava se passando dentro da minha cabeça. “Please, help my son!”. Um rapaz pegou meu pequeno Daniyal no colo e saiu correndo, acompanhado de outro jovem... levaram-no direto para o hospital.
Que angústia! Eu estava sem ar... por dentro eu tinha vontade de gritar. Precisava, com todas as minhas forças avisar aquelas pessoas a respeito de Yusef e Najma, mas minha voz não saía. Eu estava com todo o pavor deste mundo preso na garganta. Senti que queriam me levar para o hospital também. Puxaram minha mão delicadamente; uma jovem enlaçou seu braço em minha cintura. Eram gentis, mas eu não podia mover-me. Precisava falar sobre meus filhos.
Foi então que uma mulher surgiu diante de mim e me olhou nos olhos. “O que você quer dizer?”; “Tem mais alguma coisa acontecendo, não é mesmo?”. Apenas sacudi a cabeça afirmando. “Sim, sim. É isso!!!!”. Eu queria gritar essas palavras, mas estava absolutamente muda. Meu coração estava saltando no meu peito, meus olhos arregalados.
Girei, sem sair do lugar onde estava. Olhei para cima e para baixo. As imagens continuavam girando, e agora ondulavam como se eu estivesse dentro do barco, naquela viagem amedrontadora. Pássaros, folhas, pedras, sapatos e pernas. Meu Deus! Dei alguns passos e abaixe-me para pegar a pequena toalha de mão que Najma carregava com ela. Tinha o desenho de princesa nela... presente de um voluntário sérvio. A mesma mulher gritou: “Tem uma criança desaparecida!”, ela começou gritar para todos na praça: “Ajudem, ajudem! Tem uma criança desaparecida”. Num impulso agarrei-me em suas roupas; quando seus olhos encontraram os meus, consegui dizer: “Najma, minha menina e Yusef, meu bebê!”. Não me lembro de mais nada dali para frente.
O mais dramático de todos os capítulo, ressalvado o capitulo8do container.
ReplyDeletePodemos descobrir nesse capítulo, também a ingratidão e a maldade dos adolescentes auxiliados por Kadar desde o início da travessia.