Cap. 26 - As primeiras bombas
Onde estão Yusef e Najma? Foi a pergunta que fiz no hospital, assim que acordei. Encontraram meus filhos? Daniyal está bem? Cuidaram dele?
“Se acalme, senhora”, disse a mulher vestida de branco à minha frente. Ela começou a falar sobre meus filhos, mas as palavras não faziam sentido. Ela falava em inglês, e eu não estava conseguindo entender.
Depois de um tempo apareceu uma jovem que falava árabe e parou-se ao meu lado. Ele explicou que Daniyal estava dormindo ao meu lado. Eu não havia visto! Virei e quis levantar-me pra ir até sua cama, mas logo vi que não podia. Meu corpo estava adormecido e não respondia bem ao que meu cérebro mandava.
Najma? Yusef? Então veio a resposta que eu não queria ouvir. “Ainda não foram encontrados, senhora. Mas a polícia está procurando. Fique tranquila; irão encontrá-los”.
O desespero me arrancou da cama onde estava deitada e devo ter feito algo muito ameaçador, porque fui controlada por várias pessoas. Meus braços se debatiam, e eu gritava com todas as minhas forças, o choro tinha dor dentro dele que doía nos meus olhos. A jovem tradutora pedia em árabe que Alá me ajudasse.
Tudo escureceu e de repente fiquei só com meus pensamentos.
Quando decidimos sair de Aleppo eu não podia imaginar que passaríamos por tudo isso. Tínhamos um pouco de recursos em dinheiro, então acreditei que teríamos uma saída confortável do país. E que nossa chegada à Europa também seria branda. Mas a palavra para meus sentimentos podia ser qualquer uma menos brandura.
Deixei tudo o que eu tinha materialmente, mas levei as pessoas, e isso sim era tudo o que eu tinha. Mas agora... tudo se transformara e eu não era mais eu mesma.
Passamos por muita transformação quando mudamos de religião, ainda na Síria. Mas fora diferente do que estava sendo agora. Naquela ocasião, sentíamos mais segurança, mais alegria, mais alívio.
Quando o lugar no qual você vive deixa de ser seguro, é como se não fosse mais sua casa. É como você tivesse viajado pra uma cidade diferente, e as pessoas fossem todas desconhecidas.
Certa manhã acordei em Aleppo e era exatamente isso que tinha acontecido. As casas ainda estavam lá; mas caminhar pelo mercado era como pisar num lugar estranho, com pessoas estranhas, que agora não ofereciam seus produtos, mas espreitavam-se atrás das coisas e das colunas, desconfiados de que algo ruim poderia acontecer a qualquer momento.
Numa guerra é assim. Tudo muda de uma hora para outra. Como no dia do primeiro bombardeio em Bustan AL-Basha, o bairro onde morávamos. Pisquei os olhos. Quando fechei tinha tudo sob controle, minha casa estava organizada, meus tapetes estavam coloridos e as cortinas
esvoaçavam com a brisa suave do fim de tarde. O cheiro de nossa refeição dava uma sensação de conforto para a alma; quando abri os olhos nada mais disso existia. Tudo ficara cinza esbranquiçado. Eu e as crianças ficamos cobertas de uma poeira gelada; o cheiro no ar se transformara num forte odor de combustível.
Naquele dia pensei que tudo havia acabado. O pânico tomou conta de mim porque eu sabia que meu marido estava vindo para casa. Ele devia ter deixado o carro e provavelmente subia as escadas no momento da explosão. Quando tudo ficou cinza.
Numa hora dessas você se põe a pensar na vida. Por mais incrível que pareça, seus instintos de sobrevivência estão em estado de alerta e sua adrenalina permitem, não apenas lutar pela vida, mas também a fazer reflexões filosóficas. Adrenalina é um bom combustível para reflexões filosóficas.
Levantei todas as hipóteses, se Kadar morresse; se ficasse vivo. Se meus pais estivessem vivos ou mortos. Se meus vizinhos sobrevivessem ou não.
Ao mesmo tempo, sentia uma tristeza tão grande. E a tristeza é uma coisa horrível, mas ela nos torna humanos.
“Se acalme, senhora”, disse a mulher vestida de branco à minha frente. Ela começou a falar sobre meus filhos, mas as palavras não faziam sentido. Ela falava em inglês, e eu não estava conseguindo entender.
Depois de um tempo apareceu uma jovem que falava árabe e parou-se ao meu lado. Ele explicou que Daniyal estava dormindo ao meu lado. Eu não havia visto! Virei e quis levantar-me pra ir até sua cama, mas logo vi que não podia. Meu corpo estava adormecido e não respondia bem ao que meu cérebro mandava.
Najma? Yusef? Então veio a resposta que eu não queria ouvir. “Ainda não foram encontrados, senhora. Mas a polícia está procurando. Fique tranquila; irão encontrá-los”.
O desespero me arrancou da cama onde estava deitada e devo ter feito algo muito ameaçador, porque fui controlada por várias pessoas. Meus braços se debatiam, e eu gritava com todas as minhas forças, o choro tinha dor dentro dele que doía nos meus olhos. A jovem tradutora pedia em árabe que Alá me ajudasse.
Tudo escureceu e de repente fiquei só com meus pensamentos.
Quando decidimos sair de Aleppo eu não podia imaginar que passaríamos por tudo isso. Tínhamos um pouco de recursos em dinheiro, então acreditei que teríamos uma saída confortável do país. E que nossa chegada à Europa também seria branda. Mas a palavra para meus sentimentos podia ser qualquer uma menos brandura.
Deixei tudo o que eu tinha materialmente, mas levei as pessoas, e isso sim era tudo o que eu tinha. Mas agora... tudo se transformara e eu não era mais eu mesma.
Passamos por muita transformação quando mudamos de religião, ainda na Síria. Mas fora diferente do que estava sendo agora. Naquela ocasião, sentíamos mais segurança, mais alegria, mais alívio.
Quando o lugar no qual você vive deixa de ser seguro, é como se não fosse mais sua casa. É como você tivesse viajado pra uma cidade diferente, e as pessoas fossem todas desconhecidas.
Certa manhã acordei em Aleppo e era exatamente isso que tinha acontecido. As casas ainda estavam lá; mas caminhar pelo mercado era como pisar num lugar estranho, com pessoas estranhas, que agora não ofereciam seus produtos, mas espreitavam-se atrás das coisas e das colunas, desconfiados de que algo ruim poderia acontecer a qualquer momento.
Numa guerra é assim. Tudo muda de uma hora para outra. Como no dia do primeiro bombardeio em Bustan AL-Basha, o bairro onde morávamos. Pisquei os olhos. Quando fechei tinha tudo sob controle, minha casa estava organizada, meus tapetes estavam coloridos e as cortinas
esvoaçavam com a brisa suave do fim de tarde. O cheiro de nossa refeição dava uma sensação de conforto para a alma; quando abri os olhos nada mais disso existia. Tudo ficara cinza esbranquiçado. Eu e as crianças ficamos cobertas de uma poeira gelada; o cheiro no ar se transformara num forte odor de combustível.
Naquele dia pensei que tudo havia acabado. O pânico tomou conta de mim porque eu sabia que meu marido estava vindo para casa. Ele devia ter deixado o carro e provavelmente subia as escadas no momento da explosão. Quando tudo ficou cinza.
Numa hora dessas você se põe a pensar na vida. Por mais incrível que pareça, seus instintos de sobrevivência estão em estado de alerta e sua adrenalina permitem, não apenas lutar pela vida, mas também a fazer reflexões filosóficas. Adrenalina é um bom combustível para reflexões filosóficas.
Levantei todas as hipóteses, se Kadar morresse; se ficasse vivo. Se meus pais estivessem vivos ou mortos. Se meus vizinhos sobrevivessem ou não.
Ao mesmo tempo, sentia uma tristeza tão grande. E a tristeza é uma coisa horrível, mas ela nos torna humanos.
Labibah desperta no hospital e fica sabendo que seus pimpolhos ainda não foram encontrados. Desesperada seu pensamento fica acelerado, e volta no tempo, pra tranquilidade de sua casa em Aleppo, interrompida pelo 1° bombardeio vivenciado na guerra.
ReplyDelete