Cap. 28 - Policiais ao pé da cama
Deitada na cama hospitalar, os giros se tornaram incessantes. Meu labirinto respondia aos estímulos descontrolados da pressão arterial elevada. A falta de sentido – isso não estava no meu prontuário, mas era a causa do “stress pós-traumático prolongado” atestado pelo médico responsável.
Acho que consideraram o fato de eu ter saído da síria sob bombardeio, e a travessia no mar, e a peregrinação comum aos refugiados, para então determinar o período como “prolongado”. Mas devia estar escrito lá: falta de sentido.
Deixei o que era e o que tinha por causa dos meus filhos, e agora não sabia onde estavam, nem como Daniyal estava se sentindo, nem sabia se Kadar teria sequelas dos machucados na cabeça. Falta de sentido.
O último paciente, da última noite no hospital em Aleppo, chegou em choque. Pálido. Seu coração parou sem que achássemos o motivo de sua disritmia. Diminui o ritmo e parou. Não houve outro acontecimento senão o choque. Conclusão: sua psiquê enviou uma mensagem ao cérebro: “Não encontrei sentido. Modo desativar autorizado”. O cérebro mandou o coração parar e ele, obediente, parou.
Eu queria o comando “desativar”. Mas meu cérebro se negava a dar essas ordens ao meu coração. E ele continuou batento.
Na última noite, depois do último paciente em Aleppo, fui ao banheiro. Eu tinha pirulitos nos bolsos do jaleco. Eram para os pacientes pediátricos que eu veria aquela noite, se tivesse sido uma noite normal. Não pude entregar os doces porque essas crianças morreram antes de serem transportadas ao porão. Joguei os doces na latrina e dei a descarga. E nunca mais voltei mais ao hospital.
Quando a mente extenua-se, as luzes do cérebro são apagadas e ele fica à mercê do pisca-pisca dos próprios neurônios. Então, estes também vão se apagando aos poucos, um por um, porque sua fonte de energia deixou de alimentá-los.
Então lembrei de Kadar. No mesmo instante, dois policiais arrastaram as cortinas ao redor do meu leito: “Precisamos conversar sobre seus filhos”.
Minha mente deu giros ainda mais rápidos. Eu não queria ouvi-los. Não queria as notícias que, de acordo com minha deduções, eles não tinham para me dar. Não queria aceitar nada do que tinham para me dizer. Eu negaria todas as hipóteses de destino que meus filhos poderiam ter tido.
Eu sabia exatamente o que diriam. Falariam sobre banco de dados, sobre número de telefone especial para informações. Sobre programa de suporte à famílias com crianças desaparecidas. Eu sabia exatamente os protocolos.
Tentei fingir que dormia. Depois chamei a enfermagem. Por fim, desisti.
Então eles começaram a narrar uma série de acontecimentos. Essa era uma hipótese que eu não havia cogitado. Para mim, suas frases eram desconexas, mas foram se tornando claras, a medida que eu descartava as hipóteses que havia levantado em meus pensamentos.
A partir daí, prestei muita atenção. Em cada palavra.
Acho que consideraram o fato de eu ter saído da síria sob bombardeio, e a travessia no mar, e a peregrinação comum aos refugiados, para então determinar o período como “prolongado”. Mas devia estar escrito lá: falta de sentido.
Deixei o que era e o que tinha por causa dos meus filhos, e agora não sabia onde estavam, nem como Daniyal estava se sentindo, nem sabia se Kadar teria sequelas dos machucados na cabeça. Falta de sentido.
O último paciente, da última noite no hospital em Aleppo, chegou em choque. Pálido. Seu coração parou sem que achássemos o motivo de sua disritmia. Diminui o ritmo e parou. Não houve outro acontecimento senão o choque. Conclusão: sua psiquê enviou uma mensagem ao cérebro: “Não encontrei sentido. Modo desativar autorizado”. O cérebro mandou o coração parar e ele, obediente, parou.
Eu queria o comando “desativar”. Mas meu cérebro se negava a dar essas ordens ao meu coração. E ele continuou batento.
Na última noite, depois do último paciente em Aleppo, fui ao banheiro. Eu tinha pirulitos nos bolsos do jaleco. Eram para os pacientes pediátricos que eu veria aquela noite, se tivesse sido uma noite normal. Não pude entregar os doces porque essas crianças morreram antes de serem transportadas ao porão. Joguei os doces na latrina e dei a descarga. E nunca mais voltei mais ao hospital.
Quando a mente extenua-se, as luzes do cérebro são apagadas e ele fica à mercê do pisca-pisca dos próprios neurônios. Então, estes também vão se apagando aos poucos, um por um, porque sua fonte de energia deixou de alimentá-los.
Então lembrei de Kadar. No mesmo instante, dois policiais arrastaram as cortinas ao redor do meu leito: “Precisamos conversar sobre seus filhos”.
Minha mente deu giros ainda mais rápidos. Eu não queria ouvi-los. Não queria as notícias que, de acordo com minha deduções, eles não tinham para me dar. Não queria aceitar nada do que tinham para me dizer. Eu negaria todas as hipóteses de destino que meus filhos poderiam ter tido.
Eu sabia exatamente o que diriam. Falariam sobre banco de dados, sobre número de telefone especial para informações. Sobre programa de suporte à famílias com crianças desaparecidas. Eu sabia exatamente os protocolos.
Tentei fingir que dormia. Depois chamei a enfermagem. Por fim, desisti.
Então eles começaram a narrar uma série de acontecimentos. Essa era uma hipótese que eu não havia cogitado. Para mim, suas frases eram desconexas, mas foram se tornando claras, a medida que eu descartava as hipóteses que havia levantado em meus pensamentos.
A partir daí, prestei muita atenção. Em cada palavra.
Oh céus! O que teria acontecido com essas crianças?
ReplyDeleteQuanta expectativa pelo próximo capítulo.
ReplyDeleteContinua o drama da Labibah, devido aos traumas da guerra, sama-se aí a situação de Kadar, a doença de Danijal, essa pobre mãe não espera boas notícias dos filhos desaparecidos. Muita expectativa p/ o próximo capitulo
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