Cap. 17 - Rumo a Subótica

Por que está nos ajudando? Kadar queria saber.
O sérvio passou a falar um pouco sobre si mesmo. "Sou professor de história. Para mim, uma guerra, qualquer uma, nunca é do povo. Povo não faz uma guerra. Povo sofre a guerra." Continuou contando histórias de sua família, bisavós, avós, todos que haviam sofrido com alguma guerra. Virando-se para Kadar, afirmou. Você também é professor, posso ver".
Não houve resposta e Alex aceitou. Compreendia a insegurança do homem sírio a quem estava ajudando. Ajuda é coisa incomum.
Repetidas vezes, o motorista olhou pelo retrovisor. Para a estrada? Não. Alguém os segue? Também não. Ele observava atentamente os dois adolescentes no banco de trás.
Chegaram a Presevo no final da tarde. Alex deixou-os bem próximos a uma grande aglomeração de refugiados. Com grande alívio, o grupo se infiltrou na multidão e foi até o centro de registro. Com grande frustração, reiniciavam sua tentativa de atravessar a Sérvia.
Passaram a noite numa pequena barraca iglu, cedida por voluntários. Os adolescentes no relento. Antes do sol nascer, Kadar já estava na fila e começa a ter uma ideia das grandes dificuldades que a cidade estava enfrentando com os refugiados. Havia poucos banheiros, muitas pessoas. Filas para todos os lados. Vendedores ambulantes circulavam no meio do povo.
Labibah, um pouco depois, foi com as crianças aos banheiros, para que tomassem banho. As instalações eram precárias e a demora na fila foi de duas horas. Mais uma vez as crianças foram ótimas. Najma fez algumas perguntas. Mas nenhuma reclamação. Depois disso, retornou para o centro de registro, onde reencontrou os jovens Syed e Mohanmad.
Por volta das 15 horas, Labibah percebeu que Kadar estava próximo de ser atendido e se dirigiu com as crianças para a fila também. Chovia forte e a família ficou ali, coberta apenas por cobertores, aguardando sua vez. Foram os últimos a serem atendidos naquele dia.
Na saída do centro de registros já começaram a ser importunados por atravessadores, taxistas, donos de van. Exatamente como Alex os alertara. Agora eles têm documentos e muitos querem se aproveitar disso.
Acabaram passando a noite na estação rodoviária, onde conseguiram roupas secas, sopa quente e cobertores secos. Os adultos não queriam dormir, mas acabaram não resistindo ao sono.
A desconfiança deles não era em vão. Pela manhã, quando acordaram, as mochilas haviam sido reviradas. A lanterna, um canivete e a pequena bolsa com suas escovas de dentes estavam faltando.
Olharam ao redor, fizeram perguntas, mas ninguém vira nada. Por certo, quem revirou as mochilas estava a procura de dinheiro.
Na fila do guichê, dois homens abordaram Kadar, procurando intimidá-lo. Tudo para que ele comprasse passagens que tinham em mãos. Ele não aceitou e iniciaram uma discussão. Felizmente, dois policiais se aproximaram e dispersaram a dupla.
Compraram as passagens para Sobótica e embarcaram. Os adolescentes foram também. Kadar pagara por suas passagens, porque não tinham mais dinheiro.
Embarcaram no ônibus e sentiram-se seguros, finalmente.
É uma viagem legalizada. As confusões estavam ficando para trás. E, em breve, a Sérvia também ficaria. O barulho cessara. A calma trouxe sobre o grupo uma sensação de relaxamento. Pela primeira vez depois de dias.
Tão logo o ônibus pegou a estrada, dormiram profundamente.



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